Trabalhadores do mundo, leiam-no!

21/02/2021 12:25

“Um espectro ronda a Europa”. Assim começa o mais famoso manifesto político da história moderna, o Manifesto Comunista, de Marx e Engels. Publicado em 21 de fevereiro de 1848, há exatos 173 anos, o texto anunciava uma grande revolução dos trabalhadores em todo o ocidente europeu, em breve. E elas ocorreram poucos meses depois, confirmando a primeira tentativa de revolução socialista no mundo capitalista, no que ficou conhecido como a primavera dos povos. Para orientar estas lutas dispersas, o partido comunista solicitou a Marx e Engels, seus mais destacados militantes, a redação deste documento que apresenta ao público, pela primeira vez, a descoberta de que a história da humanidade é a história da luta de classes. Porém, para entender a obra, é indispensável compreender o contexto das revoluções que varreram a Europa e inclusive inspiraram a revolução praieira no Brasil naquele 1848.

Três países são centrais para a análise dos autores do socialismo científico para a redação do Manifesto comunista: Inglaterra, França e Alemanha (que ainda não era unificada, portanto, não era uma país propriamente dito).

Em 1848, a Inglaterra já possuía uma monarquia parlamentarista relativamente estável, o que concedia uma situação política confortável para as classes de proprietários. A indústria têxtil já estava estabelecida e os investimentos em ferrovias avançavam – impulsionando outros setores – e o comércio colonial era praticamente um monopólio seu, transformando o comércio mundial em uma fonte de lucro em volume nunca antes visto.

A França não possuía uma economia tão desenvolvida quanto a Inglaterra, pois o grande número de camponeses – oriundos da reforma agrária da república jacobina – dificultava o aumento da força de trabalho disponível. Por outro lado, as revoluções burguesas de 1789 e 1830 proporcionaram um amadurecimento político às diferentes frações de classes que buscavam ter seus interesses materiais atendidos. Marx vivia na França nesse período em que a crise econômica inglesa – oriunda da agricultura, da indústria e do comércio, mas com as consequências mais visíveis no comércio de alimentos e no comércio colonial – instigou uma série de revoluções na Europa. Esse período ficou conhecido como Primavera dos povos. Ainda, por estar na França, ele pode ver de maneira privilegiada o movimento de queda do rei burguês – Luís Felipe – enquanto os proprietários fundiários, a burguesia industrial, a pequena burguesia e o proletariado buscavam meios de fazer frente a um governo que privilegiava os interesses da burguesia financeira, como Marx analisa em sua obra As Lutas de Classes na França, redigida dois anos após O Manifestos do Partido Comunista.

Por fim, a região que viria a ser a Alemanha unificada vai ter em 1848 o estopim para seu movimento de unificação sendo liderado pelo reino da Prússia. A Prússia vai começar a ganhar destaque como potência política após as Guerras Napoleônicas, porém as heranças feudais ainda lhe eram predominantes, assim como nos reinos germânicos que seriam anexados à ela, o que criou uma conjuntura diferente nessa região em relação à Inglaterra e à França: a burguesia prussiana ainda não havia conquistado o seu poder político, embora em algumas regiões já fossem economicamente desenvolvidas e isso vai fazer com que Marx conceba estratégias diferentes para o proletariado alemão que, apesar do atraso da burguesia, já apresentava uma certa “maturidade de classe”.

Com base nesse contexto, O Manifesto comunista é uma obra fundamental para todos que queiram conhecer os princípios norteadores do marxismo. A obra, dessa forma, está historicamente situada, assim como seus autores. Nas palavras de Marx e Engels, no prefácio da edição alemã de 1872, apresenta-se que “Em certos pormenores, esse programa está antiquado” (p.72, da edição de 2014 da Editora Boitempo), mas que não cabia alterar o Manifesto por ele ter se tornado um documento histórico. Porém, não há dúvidas de que essa obra é muito mais que um documento histórico, pois elementos chaves do marxismo – como as lutas de classes como motor da história, a necessidade da revolução para impulsionar esse motor, a produção material da vida como princípio da existência dos indivíduos e das classes, as crises econômicas cíclicas, as revoluções como consequência das crises, o papel do Estado e das classes dominantes – já aparecem nela de maneira bem madura e, de certa forma, inédita na época, visto que A ideologia alemã não foi publicada e só foi descoberta quase um século depois. Esses elementos são sintetizados por Engels da seguinte forma no prefácio da edição inglesa de 1888 quando expõem que:

Sendo o Manifesto nossa obra comum, cabe-se declarar que a proposição fundamental pertence a Marx. Essa preposição é a de que, em cada época, histórica, a produção econômica, o sistema, de trocas e a estrutura social que dela necessariamente decorre, constituem a base e a explicação da história política e intelectual dessa época; que consequentemente (desde a dissolução do regime primitivo de propriedade comum da terra) toda a história da humanidade tem sido a história da luta de classes, conflitos entre explorados e exploradores, entre as classes dominadas e dominantes; que a história dessas lutas de classes se constitui de uma série de etapas, atingindo hoje um ponto em que a classe oprimida e explorada – o proletariado – não pode mais libertar-se da classe que o explora e oprime – a burguesia – sem que ao mesmo tempo, liberte, de uma vez por todas, toda a sociedade da exploração, da opressão, do sistema de classes e da luta entre elas. (ENGELS, 2005. p.78)

Quanto aos elementos que os autores superaram em obras posteriores, esses dizem mais às questões políticas, especialmente relacionadas ao Estado – as derrotas de junho de 1848 e as experiência da Comuna de Paris em 1871 foram essenciais para o desenvolvimento teórico desses elementos; e também as questões relacionadas à economia, tento em vista que os autores recém tinham começado a se aprofundar seus estudos na economia política clássica e Marx ainda não havia desenvolvido a sua teoria da mais-valia, que viria a ser a pedra angular de seu arcabouço teórico. Essas questões, porém, em nada diminuem a importância histórica, política e teórica do Manifesto Comunista, ainda hoje o mais importante manifesto político da história moderna e um dos guias da emancipação humana.

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