Análises econômico-sanitárias acerca do Brasil atual

09/04/2021 18:18

Historicamente, os proprietários fundiários exercem uma enorme força política e econômica no Estado brasileiro e o predomínio do setor agroexportador na economia brasileira garante a essa fração esse poder. Já o setor produtivo historicamente depende de um enorme suporte financeiro do Estado. Assim, quando o setor primário garante volumosas arrecadações estatais, esse setor consegue se desenvolver. Nesse contexto, se há desenvolvimento do setor produtivo, há o movimento de valorização do valor e, consequentemente, há a necessidade de aumento da utilização de força de trabalho. Por sua vez, com abundância no movimento de valorização do valor, tanto o capital comercial quanto a pequena burguesia conseguem se beneficiar com a expansão no volume de mercadorias em circulação. Quem se beneficia desse cenário é o capital financeiro que vê aumentado o volume de capital adiantado para diferentes setores da economia e tem garantias de que esse capital irá retornar como juros com baixa inadimplência.

Desde 2013, porém, são evidentes no Brasil os sinais de uma crise econômica. Essa crise tem raízes na queda dos preços internacionais do comodities (produtos primários), o que acaba afetando toda relação entre as diferentes frações da classe dominante brasileira. Essa crise se manifestou de forma mais evidente com o golpe de estado em 2016 e as frações de classe que se tornaram hegemônicas na condução do Estado optaram por adotar as doutrinas econômicas do chamado Neoliberalismo (chamado por alguns hoje de Ultraliberalismo). Por isso, aqui se faz necessário uma breve comparação entre o Liberalismo Clássico de Smith e Ricardo com o Neoliberalismo de Hayek e da Escola de Chicago. Cada uma dessas escolas do pensamento econômico defende uma fração diferente da classe capitalista.

Os primeiros, os Liberais Clássicos, que vão influenciar muito o Estado de Bem-estar Social de Keynes, são legítimos porta-vozes do capital produtivo e comercial. Com uma produção científica séria, para Ricardo, faltou-lhe apenas a análise das lutas de classes para chegar na teoria da mais-valia; Schumpeter, por sua vez, concluiu ao final de sua produção teórica que o socialismo seria uma modo de produção mais racional do que o capitalismo; já Keynes entendeu as disputas entre as frações capitalistas, propondo um modelo em que conciliava os interesses do capital produtivo e do capital comercial em detrimento do capital financeiro.

O segundo grupo, os neoliberais, que começam a ganhar força após a emancipação do capital financeiro em relação ao capital produtivo com o fim do Acordo de Bretton Woods em 1971, são os mais ferrenhos defensores do capital financeiro. Não à toa Hayek ganha o Nobel de economia em 1973, comprovando a afirmação de Engels no Do socialismo utópico ao socialismo científico de que a teoria é um reflexo da realidade na consciência. Nesse prisma, na adoção de uma determinada cartilha por um governo, vemos em que estágio está a disputa pela sua produção material entre as diferentes frações de classe no Estado. Porém, essa disputa não reflete necessariamente o próprio estágio na produção material da vida em uma nação. Defender políticas neoliberais em uma cátedra em Chicago – nos anos 1970 e 1980, com as fábricas de Detroit no auge de suas produtividades e em um mercado em que a força de trabalho é vendida acima do seu preço – não gera efeitos sentidos imediatamente na sociedade e, inclusive, acelera artificialmente o movimento de circulação dos valores produzidos, gerando a falsa sensação de um aumento na produção de riquezas. Por sua vez, defender essas políticas em regiões onde a renda fundiária beira condições pré-capitalistas, a força de trabalho é predominante alocada em setores improdutivos e o setor produtivo é reduzido concentra o valor em setores parasitários do capital financeiro, represando a produção e circulação do valor e direcionando a especulação para o Estado e não para o setor produtivo. Em poucas palavras, é esquizofrênico, pois defende um Estado mínimo ao mesmo tempo que o Estado se torna a única fonte de espoliação.

No Brasil, o golpe de 2016 foi a vitória dos setores financeiros e fundiário sobre o produtivo e comercial em um cenário de crise que nem todos poderiam conseguir plenamente suas necessidades de classe. Dessa forma, o aumento da cotação do dólar (enquanto no resto do mundo essa moeda se desvaloriza), a desindustrialização (menor patamar desde 1930), o desemprego (já que a desindustrialização diminui a produção de valor e utilização de força de trabalho) e a diminuição do consumo são efeitos do favorecimento das políticas públicas para o capital financeiro e setor fundiário. Esses efeitos econômicos se intensificaram durante a Pandemia do COVID-19.

Sob o aspecto econômico, a Pandemia intensifica o cenário descrito anteriormente. As políticas do governo e a falsa dicotomia entre vida e economia só colocam em choque a classe trabalhadora contra o capital comercial (Havan, Madeiro e tantos outros) e a pequena burguesia (pequenos comerciantes). A indústria do campo continuou produzindo e exportando, os altos executivos das bolsas e dos bancos continuaram lucrando, até pouco tempo, até as montadoras de carros continuavam operando normalmente (não por acaso Manaus, o Oeste de Santa Catarina e Rio Grande do Sul foram as áreas fortemente colapsadas pela crise sanitária). Ainda, a grande disputa pelos auxílios governamentais se dava entre trabalhadores e os comerciantes, pois o único setor que de fato parou foi o comercio e o resto da economia seguiu seus ciclos normalmente.

Para além das disputas econômicas entre classes e frações de classes, podemos entender as ações governamentais no Brasil por um aspecto sanitário e, diferente do que vem se falando, científico. O cientista brasileiro Miguel Nicolelis, vem denunciando há algum tempo que o Brasil está se tornando um grande laboratório a céu aberto, com as fronteiras fechadas para o resto do mundo. Para ele, o Brasil – junto com a Tânzania, outro grande país negacionista na atualidade – são um ótimo observatório para ver como o vírus se comporta e como se desenvolvem suas variantes. Caso as denúncias de Nicolelis se concretizem, isso, sim, se caracterizaria como um genocídio e não a suposta incompetência governamental que, sim, também existe.

Mas diante desse duplo aspecto da pandemia, como devem os comunistas agirem? Ora, colocando em prática a teoria e a experiência legada pela classe trabalhadora. Marx constantemente escreveu que uma classe revolucionária torna seus interesses os interesses universais de toda a sociedade. Os trabalhadores não devem nesse momento disputar migalhas com os setores comerciais, mas, assim como ocorreu na Comuna de Paris, trazer esses setores para o seu lado. Como? Não pautando apenas o interesse material da classe trabalhadora, mas de todas as classes que estão tendo a sua existência ameaçada. Além de um auxílio emergencial que supra os meios necessários para sobreviver, seria interessante pautar o não pagamento de aluguéis e empréstimos, uma moratória da dívida externa para garantir fundos para as medidas anteriores, desvincular o preço dos combustíveis do dólar e garantir o transporte da produção interna para todos que precisem, a utilização da terra para a produção de gêneros de primeira necessidade da população interna e não para a exportação, a indução da produção de riquezas ser algo social e não para a acumulação privada ou, por exemplo, multiplicar os investimentos em pesquisa para garantir a vacinação e a testagem em massa. Em poucas palavras, seria necessário apresentar um programa político revolucionário, revolucionário no sentido de causar profundas transformações na forma de se produzir e reproduzir a vida em sociedade.

Este tema também foi desenvolvido em live realizada no dia 13 de abril, disponível no link abaixo:
Liberalismo e os efeitos na pandemia: como o marxismo poderia superar?

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